29/11/2007

Dez

O velhote percorria a sua obra e, entre as instruções que ia dando aos seus trabalhadores, contava-me por alto a história da sua vida. É um homem simpático que se apresenta como Bob, diminutivo de Boubakeur. Apesar de a sua aparência o denunciar como argelino, a sua postura confere-lhe pinta de europeu: estudou na Argélia, doutorou-se em Londres, viajou um bocado por todo o mundo, criou família em Oran e uma pequena empresa que o trouxe até Tamanrasset, até nós. Caminha ao meu lado, com os seus óculos escuros e o seu lenço à volta do pescoço, e fuma em curtos bafos silenciosos. Apercebo-me de que o Bob diz aos trabalhadores para se esmerarem e se despacharem por minha causa: são nossos subempreiteiros. Fala-lhes em árabe e, para o fazer ver que eu o percebo, pergunto-lhe porque é que ele lhes está a dizer isso. Revela-me que usa o facto de eu estar ali para os fazer levantar o rabo do selim. Diz-me ainda que nunca se deve dizer que o trabalho de um subalterno é bom, mesmo que o seja.
- É um truque de relações humanas - diz ele - Desta maneira, o trabalhador não se sente indispensável e tenta sempre fazer melhor.
Replico:
- Mas, quando trabalhas para outra pessoa, que mal há em elogiarem o teu trabalho de vez em quando?
- Vou contar-te uma coisa que um professor de matemática uma vez me disse. Quando lhe perguntaram porque não dava nota vinte a ninguém, ele respondeu: "Vinte é para o bom Deus, dezanove é para mim, que sou professor, e dezoito é para o Bob."
Percebi a lição. E o velho pôs um grande sorriso antes de dizer que era barra a matemática.

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