05/09/2007

O deserto, afinal

No cimo do monte, olho em volta para ver um pouco mais da paisagem. É arrebatadora. Repete-se até ao horizonte, onde não dá sinais de terminar. Daqui, percebe-se a facilidade com que nos poderíamos perder se não existisse a estrada, mesmo no estado em que está. Sinto-me nervoso por estar longe da carrinha e desço dali.

‘Está calor aí?’ Ouço a pergunta imensas vezes, e respondo-a outro tanto. Está calor sim. Apesar de chover bastante aqui nos meses de Julho e Agosto, a época chuvosa do Hoggar, está sempre calor. Contudo, Tamanrasset é relativamente amena: se nos afastarmos da cidade em qualquer direcção, começamos a descer das montanhas e sentimos um calor mais forte. A norte em In-Salah, a sul em In-Guezzam, a oeste em Bordj Badji Mokhtar e a leste em Djanet, a pluviosidade desaparece e as temperaturas atingem valores inacreditáveis, aproximando o Saara da ideia que temos dele. As maiores semelhanças entre este sítio e a forma como imaginamos o deserto são, na minha opinião, os tuaregues e as temperaturas altas. A paisagem da zona não é constituída por uma infinidade de dunas amarelas ou cor-de-laranja, nem o oásis de Tamanrasset é um aglomerado de palmeiras em redor de uma nascente de água. As dunas infinitas existem nos ‘ergs’, ou mares de areia, que são apenas uma parcela do Saara, e muitos oásis só têm água à superfície quando chove. Até os camelos são uma farsa: ainda não vi um único desde que cá cheguei. O que há são dromedários. Para além deles, encontram-se imensos animais: cabras, burros, pássaros, lagartos, cobras, escorpiões e gazelas pequenas. Quase todos são da cor da areia, excepto as cabras, os burros e uns escorpiões pretos enormes. Desses, só vi fotografias, e chega.

O sol é terrivelmente forte: todos os colegas que cá estão tiveram um período de habituação, tal como eu, que estava de rastos ao fim dos dois primeiros dias que passei ao sol. Já houve um português que teve de ser hospitalizado por exposição excessiva ao astro-rei. Contudo, ao fim de algum tempo ficamos habituados e passamos a só precisar de água. Muita água.

A paisagem é constituída principalmente por uma terra arenosa que em alguns locais – e aí sim – é completamente substituída por areia. Há montes dessa areia encimados por pedras pretas, castanhas, vermelhas, brancas ou azuis. Ou, simplesmente, montes de pedra. Nem sempre se vê o horizonte com nitidez, sobretudo nas zonas mais para sul de Tamanrasset, onde tudo se transforma numa planície que continua para sempre. A paisagem inóspita causa um primeiro impacto igual ao do sol: bate-nos com força e recorda-nos de que não estamos em casa mas sim num planeta estranho. Mas depois vamo-nos dando cada vez melhor.

A poeira no ar é a única coisa que me incomoda aqui. Enquanto escrevo isto ouço uma grande ventania lá fora que levanta poeira: sinto-a logo no nariz, custa-me a respirar e entrego-me à mercê dos pêlos das minhas narinas.

4 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez maravilhado c as suas descrições!
Consigo ver exactamente as imagens q suas palavras transmitem, mesmo ali a minha frente!!...
É realmente enriquecedor!... Ficamos c uma ideia concreta e no terreno,
dessas paragens inóspitas!
Força sr. engenheiro/escritor e bom trabalho!!!...

Unknown disse...

Vá priminho toca a por o chapéuzinho na cabeçita não quero q apanhes um escladão na cabeleira, ah e já sabes cantil sp ao pescoço!!! :)

katabatic disse...

desculpa lá pá, mas qual a diferença entre isso e as dunas de Mira? ou da bola nivea na Figueira? Não é preciso ir para casa do diabo mais velho para dizer "epá e tal o deserto"..;)

forte abraço,

Henrique

Unknown disse...

Um deserto e tão poucos oasis...Por aqui tambem é assim. Continua a escrever, ja temos sede das tuas palavras!

"Fica tão fácil entregar
a alma a quem nos traga
Um sopro do deserto
Olhar onde a distância nunca acalma
Esperando o que vier de peito aberto"

(Cúmplices - Mafalda Veiga)


Beijos da primocas,
Mariana