A certa altura, durante um Benfica – Vitória de Guimarães que não despertava grande interesse a nenhum de nós, o António entra na sala de convívio com duas garrafas de água na mão. Tinha acabado de chegar do estaleiro de In-Guezzam e informa-nos de que os guardas tuaregues que lá trabalham tinham capturado duas cobras venenosas. Mataram uma delas mas a outra ainda continuava viva: cada qual em sua garrafa. Como o jogo não atava nem desatava, transferimos a nossa atenção para a garrafa com a cobra viva.
Alguém tinha feito vários furos na tampa para o animal poder respirar. A cobra encolhia-se no fundo da garrafa e de vez em quando esticava-se para cima e abria a boca em protesto. Digo eu que em protesto: podia ser fúria, medo, ou até sede de vingança, como tinham dito os guardas tuaregues. A fazer fé no que eles disseram, aquele que capturar uma destas serpentes deve matá-la de imediato. Caso contrário, ela persegue o captor e não descansa enquanto não lhe der uma dentada. Disseram também que ela consegue saltar a uma altura de cinco metros quando ataca. Todos estes factos, impossíveis de confirmar por nós portugueses, fizeram toda a gente esquecer o Benfica – Guimarães que, ainda por cima, avançava pela segunda parte com um empate a zero.
A cobra continuava a subir e descer a cabeça, abrindo a boca e mostrando uns pequenos dentes retrácteis que não auguravam nada de bom. Era amarela, da cor da areia, com manchas acastanhadas. Passaria completamente despercebida por qualquer um de nós, e toda a gente comentava isso. O seu veneno – pelos vistos fatal – não era ameaça agora, já que estava separada do resto do mundo por uma garrafa de plástico. Daí a irritação da cobra: estar-se preso numa garrafa de plástico, sentir-se reduzido a uma atracção circense e assistir a um empate do Benfica é frustrante e abala qualquer um.
Talvez seja por isso que, quando encheram a garrafa de álcool, ela aceitou bem o destino que se afigurava inevitável desde o momento da captura, e desceu a cabeça pela última vez.
Desde a captura da cobra e da do dia seguinte, em que trouxeram para o estaleiro de Tamanrasset dois escorpiões mortos, algumas pessoas, incluindo eu, avisamo-nos mutuamente quando estamos no deserto para termos cuidado com as cobras. Meio a brincar, meio a sério. Talvez seja mesmo caso para se ter cuidado: é que, como é evidente, nem todas as cobras aceitam de forma tão pacífica um empate a zero do Benfica.
25/08/2007
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4 comentários:
Uma coisa é certa..feia como ela é não trabalhava num sítio que eu cá sei!!
Braçinho zeca
ai filho, tu tem-me cuidado com essas bichezas. não te quero a regressar à pátria-mãe esburacado ou coisa pior.
queres que te envie alguma coisa na volta do correio? bacalhauzinho? bolachinha maria?
É muito bom termos notícias tuas e sabermos as aventuras que vais vivendo por aí. Força e muitos beijinhos desta amiga da A17II, Carla Carvalho.
O que que aqui é absolutamente divinal neste post é o link para a foto denominar-se "cobra.jpg". É de uma pobreza óptima que só alguns conseguem atingir!
Abraço Jonas
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