Antes de me deitar, abri a persiana com a máquina fotográfica na mão, embora já não tivesse esperanças de ver o famoso céu estrelado do deserto. Estamos demasiado perto de uma cidade e há sempre demasiada poeira no ar para que se consiga ver o céu nocturno nitidamente. As luzes da cidade iluminam as partículas de poeira, o que cria uma grande luminosidade sobre a cidade e não permite ver bem o céu. Ponho a cabeça de fora, olho para cima e vejo o que estava à espera: uma ou duas estrelas e o resto do céu escondido. De repente vejo um flash à minha direita e reparo que, na janela do quarto ao lado do meu, está o Rogério de máquina fotográfica em riste com o mesmo intuito que eu. Chamo-o e comento que até no deserto somos vizinhos: em Portugal, vivemos na mesma cidade e somos praticamente vizinhos, mas só nos conhecemos em Tamanrasset.
Conversamos durante um bocado sobre as impressões que temos disto. Ele chegou à Argélia uns dias antes de mim, um pouco a contragosto. A realidade é que toda a gente que tenho conhecido desde que cheguei está cheia de saudades e vontade de ir embora. Consideram o local duro, o povo difícil, o trabalho árduo, e têm saudades da vida que tinham em Portugal. O Rogério ainda está anestesiado, creio, por ter chegado há pouco tempo, embora esteja a ambientar-se bem. A conversa acaba por chegar ao tema das dificuldades iniciais aqui na obra.
Os primeiros que aqui chegaram passaram um mau bocado. Tenho bastante sorte por chegar cá e encontrar à minha espera um quarto que é arrumado todos os dias, uma cozinha funcional, uma antena parabólica que nos traz televisão e internet. Os colegas que aqui vieram no início de tudo viviam em casas alugadas com condições muito pouco confortáveis, tinham que tomar banho na casa de uns e ir cozinhar a casa de outros, não comunicavam com Portugal, não tinham meios de transporte próprios, enfim: várias circunstâncias que me levaram a gostar ainda mais deste estaleiro.
Diz quem está cá há muito tempo que o que custa não é a primeira viagem para cá, mas sim a segunda. Depois de uns meses cá, passamos umas férias em Portugal, e na hora de voltar para a Argélia é-se assolado por um desespero enorme. É a opinião de quem já passou por isso, e várias pessoas me disseram o mesmo. Eu e o Rogério ainda temos que esperar para ver se é mesmo assim, apesar de sabermos que é isso que nos espera. Vem assim à baila o assunto do Monte Hadriane, que já ambos conhecemos. O Monte Hadriane é uma formação montanhosa escarpada com uma forma incomum, que se vê de Tamanrasset e do nosso estaleiro quando está bom tempo e há pouca areia no ar. Mas quando a poeira e a areia no ar são tais que nem o Monte Hadriane se vê, todos os voos de e para Tamanrasset são cancelados. Consta que os portugueses que estão quase a partir de férias começam a deitar muito o olho ao Monte Hadriane, preocupados, porque se este não se conseguir ver no dia da partida, as suas férias são adiadas.
Sorrio porque me enternece este tipo de pormenores e porque já adivinho que, por ironia, vou ter umas férias adiadas devido à areia tapar o Hadriane. Despeço-me do Rogério até amanhã, desligo a máquina fotográfica e, admitindo a minha primeira derrota contra a areia em suspensão, desisto de tentar fotografar as estrelas.
13/08/2007
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1 comentário:
quando demos conta das condições em que vive um engenheiro em argélia, das suas angústias...fico com uma melancolia inorme... como viverá um pobre cidadão nesse país, uma criança? é nestas alturas que me dou conta da felicidade que tenho, no pouco que tenho e que esse pouco deve equivaler ao paraíso na argélia!!!coragem!!!
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