15/08/2007

Le taxi jaune

Mandei parar o António, que passava a meio da manhã pela frente de obra a caminho do estaleiro de In-Guezzam. Eu ainda não o tinha visitado, pelo que lhe pedi para me mostrar o caminho: consta que para lá chegar é preciso estar atento aos poucos pontos de referência que existem e não convém mesmo nada tentar lá chegar sozinho pela primeira vez, sem se conhecer o percurso, sob risco de se acabar perdido. O António concordou e eu fui atrás dele na minha carrinha, seguidos pelos dois jipes da gendarmerie que o estado argelino fornece como escolta. Segui-lo não foi tarefa fácil porque ele anda muito depressa e, com a grande quantidade de pó que os carros levantam, é preciso manter uma distância considerável ao veículo da frente para se conseguir ver alguma coisa. Mas bem ou mal lá o fui seguindo. Passámos o ponto mais a sul que eu conhecia até à altura, o sítio onde está o esqueleto de um carro amarelo que, por ser um objecto invulgar e saltar à vista, se tornou uma referência para quem passa por aqui: tuaregues, argelinos, contrabandistas e portugueses chamam-lhe ‘le taxi jaune’.

Verifiquei que, com efeito, o percurso desde o início do nosso troço da estrada até ao estaleiro de In-Guezzam é complicado para quem não o conhece. É uma planície de areia a perder de vista, e mesmo os montes de pedra que são frequentes mais a norte surgem apenas de raro em raro no horizonte e mesmo assim só se vêem se o dia estiver limpo de poeira. Naquele dia, não era o caso: O horizonte estava completamente oculto pela areia em suspensão no ar, e a única coisa que se via era o chão, que se transformava gradualmente num céu acastanhado uma centena de metros à nossa frente. As únicas referências do caminho são uns arbustos e umas árvores (poucas) que mostram o percurso para sul: existe esta vegetação devido a uma oued que a vai regando esporadicamente.

Ao fim de alguns quilómetros, talvez trinta, vêem-se “as mamas”, duas montanhas que servem de confirmação de que se está no caminho certo. Poucos quilómetros depois desses montes fica o estaleiro novo, de onde vai ser dado apoio directo à obra, por a estrada passar lá ao lado. As condições ali são piores do que no estaleiro de Tamanrasset por culpa do clima. Faz muito mais calor – os colegas que o estão a construir já registaram 52 graus – e há imensas tempestades de areia devido ao vento fortíssimo.

Ao sair da carrinha comprovei na pele aquilo que se adivinhava através dos vidros: calor e pó imensos. Não se via o sol, e grande parte da sua luz não atravessava a nuvem de areia que cobria tudo. O calor, esse, fazia-se sentir: não se estava bem em lado nenhum, só dentro da carrinha com o ar condicionado ligado.

Depois de fazermos o que ali fomos fazer, incluindo almoçar no refeitório, o António levou-me até à pedreira que vai extrair pedra e fabricar as misturas betuminosas a aplicar na estrada. Fica perto, a cerca de 3km do novo estaleiro. Com o tempo fechado como estava, não se via a mancha clara das rochas, mas ao chegarmos perto consegui ver as línguas de pedra branca azulada a rasgar a superfície da areia que nesta zona está coberta de pequenos seixos. No cimo dos montes, pedras negras. Na planície, pedras brancas. Uma paisagem invulgar: bucólica, vá. A pedreira ainda estava em construção. Máquinas, contentores e peças enormes, tudo espalhado pelo solo, por entre as rochas, sob um céu daqueles, é uma imagem de desolação que a princípio nos cativa e depois nos desencanta. A pedra branca será extraída e utilizada como agregado nas misturas betuminosas.

Aqui, instruímos dois argelinos condutores de pesados para levarem os respectivos camiões, já carregados da pedra branca azulada, a uma outra pedreira que existe mais a norte. O objectivo era transformar esta pedra em brita para se ensaiarem as características do material e, como a nossa pedreira ainda está em fase de construção, iríamos britar a pedra nessa outra pedreira argelina. O problema é que as pessoas que já lá tinham estado não se lembravam muito bem de onde ficava. O Carlos, colega topógrafo que encontrámos na nossa pedreira a fazer um trabalho qualquer, já lá estivera duas vezes e recordava-se vagamente do local exacto. ‘Vagamente’, no deserto, não chega: não há grandes pontos de referência para nos guiarmos, e é fácil perdermo-nos. No entanto, como qualquer topógrafo que se preze, o Carlos estava munido de um aparelho GPS, o que nos permitia aventurarmo-nos sem risco de nos perdermos.

Ele sabia que o caminho para a pedreira argelina começava no táxi amarelo. Seguimos então a estrada para norte até o encontrarmos, e depois virámos para oeste. Conduzimos nessa direcção uma vintena de quilómetros, com o Carlos a liderar o grupo. Era uma caravana engraçada: três carrinhas Toyota, dois camiões e dois jipes da polícia. Ao fim dessa vintena, o Carlos parou e informou-nos de que a pedreira não era por ali. Marcou o sítio onde estávamos no GPS, disse aos camiões e aos jipes para esperarem ali e partiu comigo e com o António. Graças ao GPS, pudemos andar às voltas à procura da pedreira sem corrermos riscos. Ao fim de algum tempo atrás das línguas de pedra branca azulada que nos iam aparecendo, encontrámos a pedreira. Ficava a poucos quilómetros do sítio onde tínhamos parado. O Carlos marcou a localização da pedreira no GPS e partimos para ir buscar o resto da caravana.

Quando regressámos à pedreira fomos recebidos, ao entrar, por vários homens surpreendentemente alegres apesar da sua condição de isolamento. Bom, talvez não seja tão surpreendente assim: sei lá há quanto tempo estão eles ali, sem ver caras novas. Um dos homens ria-se por tudo e por nada e apertava-nos a mão sempre que sorríamos. Aceitou britar a nossa pedra para levarmos seis sacos dela: bom negócio, uma vez que recebeu um carregamento de pedra à borla e só nos deu seis sacos. Agora que penso nisso, talvez isso também explique em parte o seu bom humor.

Depois das despedidas efusivas dos argelinos da pedreira, saímos de lá com a brita. Fizemos o caminho de regresso ao táxi amarelo e seguimos para Tamanrasset. Anoiteceu entretanto, e já era completamente escuro quando chegámos ao estaleiro, ainda suados e cobertos do pó branco da britagem.

Em dias assim o jantar sabe bem.

2 comentários:

Anónimo disse...

um taxi amarelo como referencia no meio do deserto... onde e k t foste enfiar... ouvi dizer que na turquia eles sao vermelhos, qd tiver la eu digo te. cuida te pa, abracos do fresh

bolacha disse...

fotos, fotos, publica mais fotos. eu sei que elas andam aí.