15/08/2007

História de cem dinares

Ricardo, o condutor de pesados, conta uma história a uma mesa rodeada de convivas e povoada por garrafas de cerveja. Há uns tempos, perdeu-se no deserto ao volante do camião. Andou horas e horas às voltas sem encontrar o caminho de regresso, até que anoiteceu. Ao fim de algum tempo um carro passou por ele, e o Ricardo fez-lhe sinal para parar e pediu ajuda. O condutor e os passageiros conduziram-no de volta à estrada: levando-lhe todo o dinheiro, comida e água. Bebe um trago da sua cerveja como ponto final na sua história.

A aragem quente entra pela abertura da tenda onde estamos abrigados do sol. Boudellaa, o dono da empresa que está a fazer o primeiro furo, convidou-me a entrar para me mostrar uma notícia que imprimiu da internet, onde se fala da construção da Transsaharienne e dos benefícios que se espera verificarem-se no comércio entre os países servidos por ela. Falou-me da economia, da grande riqueza de recursos, do potencial turístico do seu país e claro, do incontornável tema da política, que o fez recitar alguns nomes de presidentes passados. Depois, falou no contrabando. Segundo ele, esta rota que vai ser transformada numa estrada é também uma artéria do contrabando entre a Argélia e o Niger.

Do Niger vem tabaco para a Argélia. Da Argélia vai leite para o Niger. O Boudellaa fala dos rapazes que escolhem fazer este percurso de noite numa iniciativa paralela de import-export. Estranho o contrabando de tabaco, mas não o de leite: o Niger é dos países mais pobres do mundo, é praticamente constituído apenas por deserto, não tem acesso ao mar e é acusado de manter um regime esclavagista mal explicado à comunidade internacional. Por isso não me espanta o leite mas sim o tabaco. Talvez venha de outro país mais a sul. Isto se o Boudellaa tiver razão.

A seguir, conta-me que a noite passada esta tenda ia sendo abalroada por um camião que não a viu, por seguir com as luzes apagadas. Para a polícia não o ver, diz o Boudellaa, ao sair da tenda para o sol. Põe-se a observar o lento progresso do furo.

Há cerveja no refeitório, mas se a quisermos beber fora de uma refeição, temos de a pagar. Há quem concorde com este sistema por considerar a cerveja um luxo, mas eu penso de maneira diferente: a cerveja é um bem essencial.

3 comentários:

Anónimo disse...

Qualquer pessoa de Coimbra é levada a concordar contigo. É ÓBVIO que é um bem de 1ª necessidade!
Já dizia um certo senhor: "Comecei a fazer dieta, deixei de beber, e em 15 dias perdi 2 semanas"

E cuidado com as tendas! :|

Anónimo disse...

Simplesmente fantástico!!!
Se for tão bom a fazer estradas com é a escrever, essa obra será a melhor do continente Africano!!!!!!

Anónimo disse...

ok, ja te esqueceste de nos..